terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A MEDIUNIDADE DE FORTES

Em uma dessas viagens a Minas Gerais, Chateaubriand testemunhou um estranho fenômeno que o marcaria pelo resto da vida. Como sempre que ia a Belo Horizonte, deixou a mala e hotel e dirigiu-se ao prédio onde funcionavam os dois jornais. Reuniu-se com os seus diretores, conversou, deu ordens e quando eram dez horas da noite retirou-se para o hotel. Como o motivo de sua visita à cidade era uma elegante festa de grã finos no clube local, vestiu um fraque e tirou a cartola da caixa de papelão e sentou-se em uma escrivaninha para escrever, sempre a lápis, o artigo que seria publicado tem todos os seus jornais. Com a expansão da rede, em cada cidade onde havia um jornal seu foi preciso arranjar um linotipista que conseguisse interpreta os garranchos do patrão a fim decompor em chumbo os artigos que ele e assim era também em Belo Horizonte. Juntou o maço de papéis tomou um táxi na porta do hotel e a caminho da festa, deixou na portaria do jornal para ser composto.
Já era alta madrugada quando voltou ao quarto de hotel. Ao tirar o paletó do fraque, percebeu que um amontoado de folhas manuscritas — mais de um terço do artigo — tinha ficado no bolso interno da roupa. Irritado foi dormir certo de que no dia seguinte os jornais não publicariam seu artigo.
Acordou cedo e pediu que um estafeta do hotel comprasse na banca mais próxima um exemplar do Estado de Minas. Perplexo, percebeu que o artigo tinha sido publicado — e que alguém tinha cometido a ousadia de preencher, por sua conta, o buraco que ficara no meio do texto. Vestiu-se e correu para o jornal, aonde chegou tomado de fúria. Berrava palavrões pela redação, dizendo que um atrevimento como aquele era inadmissível. Ou o responsável aparecia ou ele demitia toda a direção. O cristo apareceu horas depois, era José de Souza Fortes, um jovem franzino responsável pela revisão das provas tipográficas de seus artigos, não importava onde tivessem sido escritos. Quando o rapaz, aterrorizado entrou na sala, Chateaubriand deu um murro tão violento sobre a mesa que derrubou no chão várias xícaras de café:
O senhor é um filho da puta, um atrevido. Como é que o senhor se arvora o direito de escrever um pedaço de artigo que seria assinado por mim?
O jovem gaguejava:
Mas doutor Assis, minha intenção...
Intenção é a puta que o pariu! Nos meus jornais só eu posso ter intenções|
Mas doutor Assis, diariamente sou eu quem revisa seus artigos, eu apreendi o seu jeito de escrever, seu estilo, suas ideias. Eu não fiz isso por mal...
Por bem ou por mal, o senhor pode arranjar outro emprego. Está despedido.
Estudante pobre de medicina que dependia do salário  para viver em Belo Horizonte,  no dia seguinte, Fortes já estava empregado, mas vendedor de frutas no mercado no municipal. E foi lá, atrás de uma banca de verduras que ele foi localizado por Amarildo Bandeira de Melo chefe de revisão dos Associados em Minas.
- Vamos voltar ao jornal que  o doutor Assis quer falar com você.
Não volto por dinheiro nenhum, ele me insultou, me humilhou, não tenho nada a conversar com esse nortista grosso. O que ele quer comigo insultar minha mãe outra vez? Não volto, seu Amarildo. Prefiro vender frutas ou ficar desempregado e voltar para Viçosa, mas aquele sujeito não me vê' mais.
Ainda insistiu:
- Você  tem que voltar. Ele quer lhe pedir desculpas pela cena de ontem pode voltar que o homem está manso.
Voltaram juntos à redação. Chateaubriand estava de suspensórios, com as mangas da camisa arregaçadas. Na mão direita tinha o artigo já impresso e na esquerda as folhas que havia esquecido no bolso do fraque. Com um sorriso no rosto, abraçou o amedrontado revisor:
- Estou muito arrependido pelo que fiz com você ontem. Chamei-o aqui para pedir-lhe desculpas, mas principalmente para mostrar-lhe uma coisa inacreditável. Sente-se aqui, meu filho, e compare esses originais com o trecho o senhor completou.
José Fortes leu os rabisco, sem entender quase nada do que estava escrito e passou os olhos sobre os parágrafos que escrevera. Chateaubriand interrompeu-o:
Viu o texto que o senhor escreveu é exatamente igual, palavra por palavra, vírgula  por vírgula, exatamente igual ao que eu tinha escrito.
Mas o rapaz constrangido:
-   Mas foi isto que eu tentei explicar ao senhor ontem, Quem é obrigado a ler os seus artigos de um mesmo autor acaba pegando o estilo dele.
- Nada disso, meu filho, senhor só pode ter psicografado meu texto. Eu não tenho fé, não acredito em nada, mas sou obrigado a reconhecer que o senhor tem capacidades mediúnicas fortíssimas. Quanto é senhor ganha?
- No Estado de Minas trezentos mil-réis por mês, e no Diário da Tarde duzentos mil-réis.
- Pois então o senhor está readmitido com o salário dobrado. Vai ganhar seiscentos mil-réis no Estado e quatrocentos no Diário da Tarde.
Chateaubriand não imagina, naquele dia, que os inexplicáveis poderes paranormais de Fortes o acompanharia  até a sepultura muitos anos depois.

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